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    Intercâmbio entre redes de sementes do Cerrado fortalece protagonismo comunitário na restauração ecológica

    Da coleta de sementes à análise de resultados: comunidades se tornam protagonistas em um processo de restauração verdadeiramente inclusivo

    Em uma jornada de aprendizado, troca de saberes e construção coletiva de soluções para a restauração ecológica, a Rede de Sementes do Cerrado (RSC) promoveu, por meio do projeto Tecendo Redes e Restaurando o Cerrado, entre os dias 4 e 13 de agosto, um Intercâmbio de Restauração no Norte de Minas Gerais. A iniciativa percorreu os municípios de São João do Paraíso, Montezuma, Itacarambi e Januária, reunindo cerca de 50 coletores e restauradores das redes de sementes nativas do Cerrado, com o objetivo de fortalecer as comunidades e ampliar o impacto da restauração ambiental.

    Permitindo uma troca de experiências rica e diversa, o intercâmbio contou com a participação de integrantes das redes Sementes do Paraíso, Rede de Coletores Geraizeiros, representada pela Cooperativa de Agricultores Coletores e Restauradores Agroextrativistas do Alto Rio Pardo (Coocrearp), Cooperativa do Vale do Peruaçu (Cooperuaçu), Associação de Coletores Cerrado de Pé (ACP), Grupo de Coletores e Restauradores (Rede Cora) vinculados a Associação dos Produtores Agroecológicos do Alto São Bartolomeu (Aprospera), Rede de Sementes do Araguaia (Ressemear) e Rede de Sementes do Oeste da Bahia (Arsoba), além da equipe técnica da RSC. “Esse encontro nos ajudou a compreender os desafios de cada território. São desafios diferentes, mas, tendo com quem contar, essa rede de apoio e a soma de ideias tornam a restauração mais concreta e possível”, revela Fabrícia Santarém, coletora e vice-presidente da Coocrearp.

     

    Inovação na restauração de áreas degradadas

     

    Em São João do Paraíso, os participantes mergulharam em realidades distintas da restauração. A primeira parada foi em áreas restauradas pela Sementes do Paraíso, que antes eram ocupadas por monoculturas de eucalipto. Na sequência, os participantes foram desafiados a pensar coletivamente em soluções para futuras áreas de restauração, parte do projeto Restauração Inclusiva em larga escala, executado pela RSC.

    De acordo com a coordenadora de Restauração da RSC, Maria Eduarda Moreira, o ponto alto foi a análise de uma área de transição com a Caatinga, conhecida como carrasco. “O cenário é complexo, com erosão severa, solo compactado, pedras e uma grande voçoroca. O desafio mobilizou o grupo para definir ações desde o maquinário adequado até estratégias que combinem diferentes metodologias para conter a erosão e garantir o sucesso da restauração”, acrescenta.

    Ainda em São João do Paraíso, a técnica do uso de composto orgânico, gerado a partir de resíduos do beneficiamento de sementes, para substituir a areia na mistura da semeadura direta (muvuca), impressionou o grupo. A prática agrega matéria orgânica a um solo pobre e tem demonstrado resultados promissores.

     

    Ferramentas de monitoramento

    A segunda etapa da viagem levou o grupo a Montezuma, para conhecer o trabalho realizado pela Coocrearp. Formada por famílias geraizeiras, a cooperativa nasceu da luta pela criação da RDS Nascentes Geraizeiras e hoje é referência na coleta de sementes, no extrativismo e na defesa do território. “Eles nos contaram a história do território, da luta do povo geraizeiro e da criação da Unidade de Conservação. Também conhecemos onde são armazenadas as sementes do grupo", conta Maria Eduarda.

    As atividades em Montezuma foram focadas no aprimoramento do monitoramento da restauração. Os participantes discutiram protocolos, indicadores, valores de referência e ferramentas de acompanhamento, como o Caderno do Restaurador(a). O destaque foi a apresentação do aplicativo RADIS Cerrado, aprimorado no âmbito do projeto Tecendo Redes e Restaurando o Cerrado, que teve suas funcionalidades demonstradas e validadas para teste em campo no dia seguinte. “Na prática, o grupo visitou uma área de restauração de 2022 na RDS Nascentes Geraizeiras, implementada pela Coocrearp. O momento foi crucial para testar o aplicativo em campo, identificar necessidades de ajustes e melhorias, além de treinar e sanar dúvidas sobre o processo de monitoramento”, detalha a coordenadora.

    Posteriormente, a capacitação avançou para a análise dos dados coletados. Os participantes aprenderam a interpretar gráficos e tabelas gerados pelo monitoramento e a tomar decisões a partir deles. “Um dos diferenciais do encontro foi a capacitação das comunidades para irem além da coleta de dados, envolvendo-as diretamente no processo de análise e tomada de decisão. O objetivo foi treinar o olhar dos participantes para que, após o monitoramento em campo, eles mesmos possam interpretar os resultados e responder perguntas como: O que estes dados significam? e Qual o próximo passo?. Ao analisar gráficos e tabelas, os restauradores puderam diagnosticar a saúde do ecossistema e decidir com autonomia sobre as ações necessárias, como a implementação de um novo manejo, o enriquecimento com mais espécies ou a realização de um replantio pontual, tornando-se, assim, protagonistas em todo o ciclo da restauração”, destaca Maria Eduarda.

    A experiência em Montezuma também mostrou a importância da interpretação dos dados para o manejo consciente das áreas. Vice-presidente da Aprospera, Vinícius Santos Lima conta que pôde aprender e vivenciar a trajetória de lutas, perdas, conquistas e desafios das redes que cuidam e restauram seus ecossistemas. “Não é só coletar sementes e fazer um trocado. É transformar o meio em que vivemos, garantindo água, solo, comida e sociobiodiversidade”, completou.

     

    Imersão cultural nas Cavernas do Peruaçu

    Na reta final, em Itacarambi e Januária, além de vivenciar uma imersão cultural no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, reforçando a conexão entre conservação ambiental e patrimônio histórico-cultural, os participantes visitaram áreas restauradas e conheceram a estrutura da Cooperuaçu.

    Fundada em 2015, no norte de Minas, a Cooperuaçu é formada por quilombolas, indígenas, agricultores familiares e extrativistas. Suas principais frentes são o extrativismo de frutos do Cerrado, a produção de alimentos derivados (doces, óleos, farinhas, geleias) e a coleta de sementes para restauração ecológica. A cooperativa fortalece a economia solidária, valoriza a cultura sertaneja e promove a conservação de um território marcado por grandes áreas de biodiversidade.

    Diretor-presidente da Cooperuaçu, Valdormiro da Mota Brito, conhecido como Buda, destaca a riqueza das atividades realizadas durante o intercâmbio. “Conseguimos conhecer experiências de outras pessoas que trabalham no Cerrado, os desafios e os êxitos alcançados. Juntou várias cabeças pensando no que podia ser feito nas áreas, e percebemos o quanto essa troca é valiosa”, ressalta.

     

    Água como fio condutor da restauração

    O intercâmbio também evidenciou a relação direta entre restauração e recursos hídricos, um ponto reforçado por Fabrícia Santarém. “Para mim, o maior aprendizado é que a restauração nas comunidades está ligada à água. Quanto mais trabalhamos a restauração nos territórios, mais as pessoas compreendem que isso garante água em abundância”, salienta a coletora.

    O evento se consolidou como um espaço de aprendizado coletivo e fortalecimento das redes de sementes, permitindo que especialistas, coletoras e restauradores compartilhassem experiências, metodologias e desafios de diferentes regiões. “As histórias e realidades são parecidas, o que nos enche de esperança, mostrando que a relação das comunidades com as plantas, na conservação dos bens comuns, é o conceito prático da restauração inclusiva que a RSC pôde nos proporcionar como aprendizado”, finaliza Vinícius Santos Lima.

    O Intercâmbio de Restauração demonstrou que, quando as comunidades participam de todas as etapas — da coleta de sementes à análise de dados e à tomada de decisão —, a restauração se torna verdadeiramente inclusiva.

    Essa iniciativa faz parte do projeto Tecendo Redes e Restaurando o Cerrado, realizado com o apoio do Fundo Ecos, que busca fortalecer grupos comunitários na restauração do bioma e ampliar o protagonismo das comunidades no cuidado com seus ecossistemas.

     

    Publicado em 20/08/2025

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